É que lá dentro viviam outros peixes. Eram três e de cor azul. Mas todos invejavam o vermelho, cujas barbatanas flutuavam na água, como pequenas chamas de seda. Mal a luz da manhã trespassava as largas janelas da sala, as escamas vermelhas ganhavam brilho. Seria por isso que nenhum dos outros peixes queria brincar com ele, que o não deixavam sequer entrar nas suas brincadeiras? Certo é que o peixe vermelho se sentia triste e só.
Todas as manhãs o menino deitava na água um pouco de comida. Os azuis corriam rapidamente, tudo fazendo para serem os primeiros e ficarem com a melhor parte. Depois iam brincar para dentro de uma pequena gruta de pedra, pousada na areia do fundo. Mas se o vermelho ousava aproximar-se, logo os outros lhe barravam a entrada, com cara de poucos amigos. Chegavam a morder-lhe as barbatanas, para de vez o afugentarem.
Por isso quase sempre o peixinho vermelho brincava só. Mas ao fim de algum tempo Aborrecia-se. Não tinha quem o acompanhasse nas corridas. E nadar, nadar depressa, de um lado para o outro do aquário, era a sua brincadeira preferida.
Como apenas comia as sobras dos companheiros, emagrecia a olhos vistos e cada vez se sentia mais triste. Até as escamas vermelhas começavam a perder a cor.
Certo dia, o pai do menino trouxe para casa um novo peixe. Era negro e vinha num saco de plástico cheio de água. Daí a pouco já nadava no aquário. Maior e mais velho que os outros, tinha duas listas vermelhas e brilhantes ao longo do corpo.
Quando viram passar aquela sombra, os três peixinhos azuis assustaram-se, recuaram para a gruta e ficaram à espreita. "Será que aquele grande peixe nos vai morder?", pensaram. "Quem sabe até se não nos irá comer?".
Os dias foram passando e sempre que o menino punha um pouco de comida na água, o peixe negro dirigia-se devagar até à superfície e comia o que tinha na vontade. Os outros ficavam a vê-lo de longe, com os seus olhos pequenos e medrosos. Em seguida o peixe negro retirava-se para um canto e parava a repousar. Só depois os azuis iam buscar a sua parte. Por último, aparecia o vermelho. Mas o que sobejava era pouco mais do que nada.
Certa manhã, o novo habitante do aquário nadou vagarosamente até junto de uma concha cor-de-rosa. Era aí que o peixinho vermelho costumava descansar. O peixe negro abriu a grande boca cinzenta e soltou uma enorme bolha de ar:
- Nunca falámos um com o outro – disse -, mas tenho reparado que és o último a comer e que estás cada vez mais enfezado.
Sem desviar os olhos da grande boca cinzenta, o peixinho vermelho respondeu:
- É que só me calham as migalhas que sobram, senhor peixe. Mas se assim não for, os outros mordem-me.
O mais velho disse então:
- Pois bem, amanhã vens comigo. Depois podemos brincar no outro lado do aquário. Lembras-te da concha branca, pousada junto à gruta? É para lá que vamos. E não te esqueças: a partir de agora passas a tratar-me por tu.
Na manha seguinte, a mãe do menino subiu as persianas da sala e a luz do sol invadiu de novo o aquário. Lentamente como era seu hábito, o peixe negro dirigiu-se para o lugar onde a comida costumava cair. O peixinho vermelho foi no seu encalço e dessa vez comeu sem receio. Depois, seguiu o seu novo amigo. Mal refeitos da surpresa, os azuis olhavam aqueles dois de longe, boquinhas abertas e olhos pasmados.
Passados dias, já o pequeno peixe vermelho engordara um pouco, e nadava agora de um lado para o outro, ao lado do companheiro. Quase sempre ganhava as corridas, porque o peixe negro era mais velho, mais lento e mais pesado. Quando desciam até junto da concha branca, divertiam-se a fazê-la balouçar na água ou a levantar pequenas nuvens de areia fina.
Até que, um dia, o peixe grande ficou doente. De manhã, já não vinha até à superfície da água. Ficava num canto do aquário, quase sem se mover, de olhos semi-cerrados. O peixinho vermelho levava-lhe então de comer, coisa que fazia agora sem receios. É que os azuis continuavam com medo. Mas o peixe negro já nem encontrava forças para brincar. Por isso o seu pequeno amigo se sentia outra vez triste. Tinha pena do companheiro e saudades das corridas a dois.
Um par de dias não era passado, quando um dos peixinhos azuis adoeceu e, também ele, deixou de comer. Na manhã seguinte, o mesmo aconteceu com o outro e, depois, foi a vez do terceiro. Faltavam-lhes forças para ir buscar comida e, ao fim de um tempo, o peixinho vermelho deixou de os ver.
Estranhando esta ausência, levou de comer ao seu amigo e depois foi ter com os outros à gruta, ainda a medo. Em deles. já muito fraco, explicou-lhe que estavam doentes e que todos necessitavam de ajuda.
- A culpa foi do peixe grande e negro! – Protestou. – Foi ele que nos contagiou com a sua doença. Tens de fazer com que saia do aquário quanto antes, senão morremos todos.
O peixinho ia dizendo que não era verdade, mas nenhum dos outros se deixava convencer. Foi então buscar-lhes comida e levou-a até à gruta.
- Estamos quase a morrer e tu nada fazes – insistiu outro com a sua voz de peixe muito sumida.
O próprio peixinho vermelho já se sentia doente e começou até a duvidar de si. Mesmo assim, não desistia de ajudar o amigo nem os peixes azuis que lhe queriam mal.
Com as forças que lhe restavam, decidiu então atrair a atenção do menino. Na manhã seguinte, começou a dar pequenos saltos para fora de água. Quando caía, ouvia-se: ploc! ploc!
O menino, que há vários dias andava triste e desconfiado, saiu da sala a correr.
Trouxe consigo o pai que estranhou o comportamento do peixe. E ao deparar com os outros quase imóveis, não perdeu tempo. Com muito cuidado passou-os a todos para uma bacia com água. Depois esvaziou o aquário, lavou-o e desinfectou-o. Em seguida tornou a enchê-lo com água limpa.
No dia seguinte todos se sentiram melhor, menos o peixe negro.
- Estão a ver? Não era por ele estar doente que todos nos sentíamos doentes – disse o peixinho vermelho aos companheiros.
E uma vez mais foi tratar o amigo. Ia agora na companhia dos outros que já tinham perdido o medo. Cada um transportava na boca uma migalha de comida.
- Obrigada, meus amigos – dizia o grande peixe negro. – O meu corpo está gasto e cansado. Se não fossem vocês, que seria de mim?
Pouco a pouco o velho peixe recuperou forças. Ao fim de alguns dias, já nadava devagarinho nas águas limpas do aquário, coçando as grandes barbatanas negras nas pedras e nas conchas.
Os dias passaram. Agora comem os cinco ao mesmo tempo. Quando o peixe grande demora a chegar, todos esperam por ele. Em seguida brincam às corridas ou levantando a areia do fundo.
Por vezes o grande peixe parece adormecer na concha cor-de-rosa. E o peixinho vermelho vai então brincar com os novos amigos. E é vê-los aos quatro na gruta, esgotados de tanto nadar.
"O Aquário" de João Pedro Mésseder com ilustrações de Gémeo Luís DERIVA Editores, 2004
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